Em
certas ocasiões, quando todas as opressões do mundo contemporâneo parecem
destituir de sentido toda a nossa existência, ficamos a nos perguntar se a
razão da existência do homem, o seu destino, é ser um eterno prisioneiro de
suas crenças, de suas convicções. Até que ponto essas convicções determinam e
delimitam a experiência humana e criam axiomas irrefutáveis? Em que proporção
essas crenças delimitam as nossas ações e decisões? Como o homem pode exercer,
sem culpas, o seu livre-arbítrio (se é que o homem realmente detém este
livre-arbítrio)? São estas e algumas outras questões pertinentes à vida para as
quais o homem não encontra solução e são umas das principais fontes de angústia
e sofrimento humano. Não temos a pretensão de resolver esses dilemas (quem nos
dera!), mas recorreremos a alguns homens do passado que fizeram esta tentativa.
Inicialmente,
recorreremos a Ortega y Gasset. Para ele, a vida humana constitui uma realidade
radical, da qual todas as demais realidades, efetivas ou pressupostas, aparecem
nela. Nossa vida, nós a vivemos porque fazemos coisas; somos obrigados a
cumprir tarefas que são a razão de ser de nossa existência. Porém, estas
tarefas nos são condicionadas por uma série de convicções sobre coisas e
pessoas ao nosso redor. Podemos, então, escolher entre uma ação e outra e,
assim, viver.
A nossa
existência, portanto, é regida pelas nossas crenças; as nossas convicções são
as bases de nossa experiência de vida. A esse conjunto de crenças, Ortega chama
de “repertório”, por se constituírem em um emaranhado que não possui uma
articulação lógica. São, às vezes, incongruentes, contraditórias ou desconexas.
Diferem-se das idéias, que, ao serem pensadas, podem ser descartadas ou não. A
crença é a idéia em que se acredita (e não pode ser descartada). Acreditar não
é mais um mecanismo intelectual, mas uma função para orientar nossa conduta,
nossas tarefas. (ORTEGA Y GASSET, s/d, pp. 27-28).
Então,
o homem que se sente, como a mosca de Nietzsche, o centro do Universo, não
passa de um burro de antolhos?
Segundo
Sigmund Freud, o sofrimento do homem provém de três direções: primeiro, do
próprio corpo, pela decadência e pela ansiedade; em seguida, do mundo externo,
através de uma força de destruição esmagadora; e, finalmente, pelo seu
relacionamento com os outros homens. A pressão externa fez com que o homem
moderasse as suas reivindicações de prazer. Para que o homem pudesse viver em
sociedade teve que abandonar seu extinto de agressividade e abrandar sua
compulsão sexual. A possibilidade de vida comunitária entre os seres humanos
teve, como pressuposto, um conceito duplo: primeiramente a compulsão para o
trabalho, criada pela necessidade externa; em seguida vem o amor, que fez o
homem relutar em privar-se de seu objeto sexual, a mulher; esta, por sua vez,
precisou privar-se daquela parte de si própria que lhe fora separada, o filho.
O amor, então, impõe restrições à civilização, querendo conservar seus membros
juntos a si; ao mesmo tempo, a civilização impõe regras e proibições
restritivas ao amor (uma dessas restrições seria a excitação visual em
detrimento à excitação olfativa do desejo sexual). O argumento de Freud,
portanto, seria de que, para sermos felizes, teríamos que abandonar a civilização.
(FREUD, l978, p. 170).
Então,
tentemos entender: o homem é regido por um conjunto de regras, às vezes
desconexas, mas altamente hierarquizadas e estas mesmas regras, fundamentais
para a sobrevivência do homem na sociedade, é que tornam fonte de sofrimento
para este mesmo homem.
Estamos
sempre a nos perguntar onde está a origem da felicidade. Como conhecer a
essência da verdade, que nos proporcionaria o pleno prazer. Segundo Alexandre
Koyré, essas perguntas foram feitas aos antigos sábios. Sócrates, por exemplo,
fugia às respostas. O seu papel não era emitir opiniões ou formular teorias,
mas examinar os outros homens. Platão conhecia a doutrina de Sócrates, porém, o
modo de exposição desta doutrina não a tornou acessível a todos, não é difícil
imaginarmos que Platão não desejasse esta acessibilidade. (KOYRÉ, 1963, p.15).
Para
Platão, a ciência verdadeira é aquela que emana da alma, do seu próprio
trabalho interior, onde estão as respostas. Para obtermos as respostas é
preciso conhecer o que estamos procurando, pois como saberíamos que encontramos
o que procuramos, se não soubéssemos o que realmente buscamos? (idem, p. 19).
Na verdade, procuramos saber o que já sabemos, ou melhor, “procuramos recordar
um saber esquecido (...). O saber e inato à alma” (idem, p. 20).
A
ciência é a única coisa que pode ser ensinada. A virtude só pode ser ensinada
se for ciência, caso contrário, é impossível. Deve ser por isso que os homens
de Estado puderam governar as cidades com sucesso; porque possuíam a opinião
verdadeira (virtude), no entanto foram incapazes de transmiti-la aos seus
sucessores, talvez por não se tratar de ciência. (idem, p.24).
Devemos
nos perguntar, então, o que entendemos como virtude. Para esta questão devemos
usar o raciocínio correto e não o discurso persuasivo, a simples retórica.
Devemos encarar a virtude como verdade, ou seja, alguma coisa a mais que o
simples sucesso pessoal, conforme pensava Ménon (idem, p.25).
Procurar
a verdade, tentar acordar n’alma a “recordação” do saber é uma tarefa extremamente
difícil; implica esforço. Tem que se buscar a essência e não significações
banais que possam redundar em simplificações de conceitos importantes como, por
exemplo, a virtude. A virtude, como ciência que é, só pode ser ensinada para
quem compreender a sua essência.
Compreender
a essência da verdade, eis a questão pertinente a Platão. Em “A República”, os
homens que estavam no interior da caverna só conseguiam ver as sombras, os
contornos das coisas. Não havia, para eles, o dês-velamento. Este, causava-lhes
dor e estranhamento. O deslumbramento os impedia de fixar os objetos cujas
sombras viam outrora. (v. 515d).
Segundo
esta concepção, todos os homens podem ter o domínio do saber. Nada escapa à
humanidade, todas as imagens, todos os signos, todo o conhecimento, enfim, toda
a verdade não passaria de recordação, do mesmo modo, segundo Salomão, “toda a
novidade não passa de esquecimento”. (MANGUEL, s/d, p.27).
Nietzsche,
no entanto, apesar de seguir uma linha de pensamento semelhante, não parece que
concorde com essa “essência” que transcende as coisas. Segundo o filósofo
alemão, e nos parece válida esta opinião, a verdade não passa de
arbitrariedade. Recordemos suas palavras:
“O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismo, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem, a um povo, sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.” (NIETZSCHE, s/d, p.56).
Temos,
portanto, algumas proposições a respeito da “realidade do real” e da possibilidade
do homem, através da busca da verdade, atingir a felicidade. A busca da perfeição
e do pleno gozo, eis o ideal de vida da humanidade. Vimos, através deste
pequeno ensaio, variados pontos de vista sobre o assunto; por mais que
busquemos resposta para nossas indagações, no entanto, percebemos que estamos
longe da compreensão e do entendimento que levaria tranqüilidade ao nosso
espírito. Mas não desistamos da luta! Talvez pegando um pouco de cada
ensinamento, pesando aqui e ali, e tentarmos extrair deles a sua substância,
quem sabe reformulando todo o nosso conjunto de crenças e reformularmos o nosso
ideal de vida, e possamos avançar um pouco nesse caminho. É extremamente
difícil, não nos iludamos. O homem, cada vez mais, torna-se obcecado por transformações
políticas e sociais ou por ascensão social, confunde felicidade com melhoria
material; busca respostas através de doutrinações ideológicas, tanto de
esquerda, quanto de direita; substitui a Fé pela Razão e vice-versa. Estamos
longe de obtermos respostas, continuaremos por muito tempo perdidos e confusos
nos nossos dilemas. Mas o que fazer? Fazem parte da própria natureza humana
essas angústias. É isso que torna o homem um ser diferente de todas as demais
espécies vivas do planeta.
Postado por prof. Rusinelson Ribas.
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