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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Kant: o criticismo

No século XVIII, a ciência newtoniana já estava plenamente constituída e as questões relativas ao conhecimento ainda giravam em torno da controvérsia entre racionalistas e empiristas. Atento à natureza do nosso conhecimento, Immanuel Kant debruçou-se sobre o assunto em sua obra Crítica da Razão Pura, mudando o rumo dessa discussão.

Sua filosofia é chamada criticismo porque, diante da pergunta "Qual é o verdadeiro valor dos nosso conhecimentos e o que é conhecimento?", Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento é infundado. Segundo o próprio Kant, a leitura da obra de Hume o despertou do "sono dogmático" em que estavam mergulhados os filósofos que não questionavam se as ideias da razão correspondiam à realidade.

Na tentativa de superar a dicotomia racionalismo-empirismo, Kant criticou os empiristas (tudo que conhecemos vem dos sentidos) e não concordou com os racionalistas (tudo quanto pensamos vem de nós). Do mesmo modo, rejeito o ceticismo de Hume.

SENSIBILIDADE E ENTENDIMENTO


Para superar a contradição entre racionalistas e empiristas, Kant explica que o conhecimento é constituído de algo que recebemos de fora, da experiência (a posteriori), e de algo que já existe em nós mesmos (a priori) e, portanto, anterior a qualquer experiência.


  • o que vem de fora é matéria do conhecimento: nisso concorda com os empiristas;



  •  o que vem de nós é a forma do conhecimento: como os racionalistas, admite que a razão não é uma "folha em branco".


Qual a diferença entre Kant e os filósofos que o antecedem? É o fato de que matéria e forma atuam ao mesmo tempo. Para conhecer as coisas, precisamos da experiência sensível (matéria). Mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da sensibilidade e do entendimento, que, por sua vez, são a priori e condição da própria experiência.

A sensibilidade é a faculdade receptiva, pela qual obtemos as representações exteriores, enquanto o entendimento é a faculdade de pensar ou produzir conceitos. Em cada uma dessas faculdades, Kant identifica formas a priori.


  • As formas a priori da sensibilidade ou intuições puras são o espaço e o tempo. Ou seja, o espaço e o tempo não existem como realidade externa, mas são formas a priori que já existem no sujeito e servem para organizar as coisas. Explicando de outra maneira, fora de nós estão as coisas, mas quando as percebemos "em cima", "embaixo", "do lado" ou "antes", "depois", "durante" é ´porque temos a intuição apriorística do espaço e do tempo. Caso contrário, não poderíamos percebê-las.

  • As formas a priori do entendimento são as categorias. Como o entendimento é a faculdade de julgar, de unificar as múltiplas impressões do sentidos, as categorias funcionam como conceitos puros, sem conteúdo, porque, antes de tudo, constituem a condição do conhecimento.
Kant identificou doze categorias, entre as quais destacaremos três: a substância, a causalidade e a existência. Quando observamos a natureza e afirmamos que "Uma coisa é isto", "Tal coisa é causa de outra" ou "Isto existe", temos, de um lado, coisas que percebemos pelos sentidos, mas, de outro, algo lhes escapa, como as categorias de substância, de causalidade e de existência, mas são colocadas pelo próprio sujeito  cognoscente. Portanto, segundo Kant:

[...] nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo o conhecimento começa com ela. Mas, embora, todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto de nossa própria faculdade de conhecimento [...] fornece de si mesma.[...] Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência.
Kant, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 23. (Coleção Pensadores)

AS IDEIAS DA RAZÃO E A METAFÍSICA


Kant pretendia garantir a possibilidade do conhecimento científico como universal e necessário. No entanto, até aqui o filósofo se restringira ao conhecimento dos fenômenos, percebidos inicialmente pelos sentidos e pelo entendimento. Poderíamos, porém, conhecer a "coisa em si" (o noumenon)?

O que seria a coisa em si? São as ideias da razão para as quais a experiência não nos fornece o conteúdo necessário, por exemplo, as ideias de alma, liberdade, mundo e Deus. Nesse sentido, o noumenon pode ser pensado, mas não pode ser conhecido efetivamente, porque, como vimos, o conhecimento humano limita-se ao campo da experiência. Como o ser humano deseja ir além da experiência, Kant examinou racionalmente cada uma das ideias metafísicas, chegando sempre a um impasse, que denominou de antinomia.

ANTINOMIAS


Ao examinar as ideias metafísicas, Kant deparou como as antinomias da razão pura, isto é, com argumentos contraditórios que se opõem em tese e antítese.

- Veja alguns exemplos:


  • Há argumentos tanto a favor como contra a liberdade humana.
  • Pode-se argumentar que o mundo tem um início e é limitado ou que é eterno e ilimitado.
  • Tanto se argumenta que o mundo existe fundamentado em uma causa necessária, que é Deus, como não se pode provar sua existência.
Ao concluir não ser possível conhecer as coisas tais como são em si, Kant constata a impossibilidade do conhecimento metafísico. Por isso, devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas realidades. A crítica à metafísica levou, portanto, ao agnosticismo, teoria pela qual a razão é incapaz de afirmar ou negar a existência do mundo, da alma e de Deus.

# Etimologia
  1. Fenômeno. Do grego phainómenon, "aparência", "o que aparece para nós". 
  2. Noumenon. Do grego, "o que é pensado"; particípio passivo de noeîn, "pensar". Kant usa o termo para designar "a coisa em si", em oposição a "fenômeno".
  3. Antinomia. Do grego antinomía, "contradição entre proposições filosóficas.
  4. Agnosticismo. Do grego a, prefixo de "negação", e gnôsis, "conhecimento". Com frequência o termo ficou reduzido à ideia de Deus e, nesse caso, distingue-se do ateísmo, que nega a existência divina.


MORAL 


Em outra obra, Crítica da razão prática, Kant analisou o mundo ético, recolocando as questões da liberdade humana, da imortalidade da alma e da existência de Deus.

Após concluir ser impossível conhecer as realidades metafísicas, Kant se volta para a razão prática, cujo conhecimento é possível porque os seres humanos podem agir mediante ato de vontade e autodeterminação. Assim Kant justificou-se: "Tive de suprimir o saber para encontrar lugar para a fé".

O conceito de fé tem diversos sentidos e geralmente lhe é atribuído o de crença religiosa. No entanto, para Kant trata-se da fé filosófica, que se baseia na convicção subjetiva e que, embora não forneça garantia teórica, dá lhe suporte à vida moral. 


HERANÇA KANTIANA


O próprio Kant descreveu sua filosofia crítica com uma "revolução copernicana". Essa expressão remete a Copérnico, que contrariou a teoria geocêntrica ao apresentar a hipótese da Terra girando em torno do Sol. Do mesmo modo, Kant contestou a metafísica anterior segundo a qual os objetos regulavam o conhecimento; para ele, ao contrário, os objetos é que devem ser regulados por nosso conhecimento.

Apesar de ter realizado a crítica do racionalismo e do empirismo, o procedimento kantiano redundou em idealismo. Ainda que reconhecesse a experiência como fornecedora da matéria do conhecimento, não há como negar que é o nosso espírito, graças às estruturas a priori, que constrói a ordem do Universo.



quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Heráclito de Éfeso


“Nada é permanente, exceto a mudança” – Heráclito
HERÁCLITO DE ÉFESO: Heráclito nasceu em Éfeso (cidade da Jônia), que corresponde a atual Turquia. Pertenceu à nobreza e sua família descendia do fundador da cidade. De acordo com Diógenes Laércio: “Heráclito, filho de Blóson, ou, segundo outra tradição, de Heronte, era natural de Éfeso. Tinha aproximadamente quarenta anos por ocasião da 69ª Olimpíada (504–501 a.C.). Era homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros“. Por volta de 490 a.C, escreveu a obra “Sobra a Natureza”, dividida em mais de cem fragmentos e que lhe rendeu o apelido de “obscuro”. Foi escrito na forma de sentenças aforísticas e “a variegada prosa de Heráclito, artística e cuidadosamente estilizada, vai de sentenças factuais em linguagem comum a enunciados oraculares com efeitos poéticos especiais em vocabulário, ritmo e arranjo de palavras”. (HUSSEY, 2008, p. 139). Dessa forma, o modo de escrever de Heráclito é singular e bastante desafiador por possuir um caráter enigmático e sugestivo.
O DEVIR:
Heráclito é especialmente conhecido como o filósofo do devir, ou seja, do “vir-a-ser”, que significa a mudança perpétua, sendo essa, a característica mais marcante de seu legado: “O devir é caracterizado por um contínuo fluir das coisas de um contrário ao outro: “as coisas frias se aquecem, as coisas quentes se esfriam, as coisas úmidas secam, as coisas secas umedecem” (DK, 22 B 126); “o jovem envelhece, o vivo morre, e assim por diante.” (REALE; ANTISERI, 1990 p. 65). Afirmava que no mundo “tudo flui”, isto é, que a realidade não é estática, não há substância fixa, mas tudo encontra-se em constante movimento.
Para Heráclito, portanto, o mundo é dinâmico e está sempre em fluxo. Tudo muda e transmuta e neste dinamismo, tudo se alterna constantemente entre polos, e essa oscilação entre contrários é identificada como sendo responsável pelo equilíbrio e unidade das coisas. “O devir é, pois, continuo conflito dos contrários que se alternam, é uma perene luta de um contra o outro, é uma guerra perpétua. ( REALE; ANTISERI, 1990, p.65). Mas é neste confronto do devir que origina-se a harmonia universal, pois para Heráclito, identificar a oposição existente na natureza, significa perceber a unidade que ela possui. Vejamos abaixo um trecho de sua obra para esclarecer tal ideia:
Um caminho: subida, descida, um e o mesmo”. (DK 22B 60).
São o mesmo o princípio e o fim de uma circunferência”. (DK22B 103).
A doença faz da saúde algo aprazível e bom, torna a fome em saciedade e o cansaço em descanso”. (DK22

Raciocinemos de acordo com o pensador: como entender e valorizar a saúde se não existe a doença? Ou como compreender o que é claro se o escuro não é real? Ao pararmos para refletir, podemos, de fato, notar que para que certas coisas possuam um sentido, elas necessitam de seus contrários.
Uma máxima que se refere à sua filosofia e que tornou-se popular, é “panta rei os potamós” (do grego πάντα ῥεῖ), traduzido como “tudo flui como um rio“, e proferida por Crátilo, um de seus seguidores. Esse aforismo tem relação com um dos fragmentos de Heráclito que sobreviveram no qual o pré-socrático declarou: “Ninguém banha-se duas vezes no mesmo rio” (…) “De quem desce ao mesmo rio, vêm ao encontro águas sempre novas”. (DK22 B 12). E no fragmento 49 de sua obra, Heráclito escreveu: “Entramos e não entramos no mesmo rio; somos e não somos.” Podemos interpretar essa passagem da seguinte maneira: suponhamos que você entre em um rio hoje para banhar-se e depois de fazê-lo, vá embora. No dia seguinte, decide voltar ao rio para mais um banho.
Entretanto, as águas que ali ontem correram não são, por certo, as mesmas que passam hoje. E você também já não é mais a mesma pessoa do dia anterior por diversas razões. Por exemplo, você envelheceu (ainda que minimamente), viveu e adquiriu novas experiências, pode ter mudado suas perspectivas de hoje em relação a algo que ontem pensava, etc. Dessa maneira, o rio seria apenas aparentemente o mesmo rio, tal como você, aparentemente continua sendo o mesmo de outrora. Então “entramos e não entramos no mesmo rio”, ao mesmo tempo em que “somos e não somos”. Vejamos uma menção escrita por Platão (Platão por OSBORNE, 2013) a respeito de Heráclito:
Ele compara as coisas com a corrente de um rio – que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente.
E quanto a nós? O que somos nós? Somos continuamente constituídos da mesma matéria ou nossos corpos se modificam sutilmente, justo como a água de um rio flui parecendo ser sempre basicamente a mesma?O que é de fato ser o mesmo dia após dia? Talvez, como o rio, sejamos e não sejamos o que fomos um dia.
O FOGO:
Conforme citado na introdução sobre os pensadores pré-socráticos, nessa época da filosofia, buscava-se um elemento natural (que pudesse ser compreendido e conhecido pela razão) e que explicasse a origem e realidade da natureza. De acordo com Heráclito, essa substância era o fogo e ele foi considerado pelo filósofo como o responsável pela criação do mundo. Conforme por ele declarado: “todas as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, uma troca de todas as coisas, assim como o ouro é uma troca de todas as mercadorias e todas as mercadorias são uma troca do ouro”. (DK22 B 90).
A justificativa deste elemento como sendo o princípio do universo físico é que este representa uma sequência de transformações, portanto, tudo provém do fogo, e tudo a ele volta. Aristóteles escreveu em sua obra “Do Céu”, fez referência a essa tese de Heráclito:
Concordam todos em que o mundo foi gerado; mas, uma vez gerado, alguns afirmam que é eterno e outros que é perecível, como qualquer outra coisa que por natureza se forma. Outros, ainda, que, destruindo-se, alternadamente é ora assim, ora de outro modo, como Empédocles e Heráclito de Éfeso. (…) Também Heráclito assevera que o universo ora se incendeia, ora de novo se compõe do fogo, segundo determinados períodos de tempo, na passagem em que diz “acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas”.
O próprio fogo, por si, indica mudança em suas propriedades. Por exemplo, suas  chamas, transformam-se em cinzas, fumaças e vapores. Talvez esse tenha sido o fator que levou Heráclito a defini-lo como elemento básico formador da natureza. E para o filósofo, as coisas que nos são familiares (como terra, céu, ar) resultam de processos dessa continua alternância do fogo. “O fogo, com efeito, é perenemente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é incessante transformação em fumaça e cinzas (…)” (REALE; ANTISERI, 1990 p. 68). Tal elemento, portanto, é o símbolo do devir e do equilíbrio que governa os movimentos da natureza.
DEUS E ALMA:
Para Heráclito, até mesmo o próprio conceito de Deus é relacionado e identificado em sua teoria dos opostos, conforme podemos notar em uma de suas passagens: “O Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se alterna como o fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada um.” (DK22B 67).  E a alma, para ele, possui dimensão infinita, e também carrega em si uma dualidade referente a sua teoria do fluxo dos opostos: “Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água, a alma”. Além disso, o pré-socrático sugere constantemente em trechos de seus escritos, que a alma não é imortal, ela é mortal e imortal: “Imortais são mortais, mortais são imortais, vivendo a morte de uns, morrendo a vida de outros”. (DK22B 62). O próprio ato de morrer já se opõe ao de estar vivo. Logo, a própria morte, em si, já expressa uma noção de oposição.
REFERÊNCIAS
HUSSEY, Edward. Primórdios da Filosofia Grega. São Paulo: Ideias & Letras, 2008. 534 p. (Coleção Companios & Companios 1. Filosofia). Org. A.A.Long. Tradução de Paulo Ferreira.
OSBORNE, Catherine. Filosofia Pré-Socrática. Porto Alegre: L&PM, 2013. 155 p. (Coleção L± Pocket Vol. 1114). Tradução de Marcio Hack.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Filosofia Pagã Antiga: In: Historia da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. (Coleção Filosofia, volume 1). Tradução de Ivo Storniolo
QUESTÕES
1 - Explique o que seria o "devir" e como esse fenômeno explicaria a realidade, segundo Heráclito?
2 - Nesse sentido [do devir],comente como a oposição existente na natureza dá sentido à existência e ao sentido das coisas no mundo?
3 - Como Heráclito se utiliza da metáfora do rio para explicar as mudanças ocorridas na realidade?
4 - Por que o fogo, como princípio do universo físico, seria o símbolo do devir?

terça-feira, 19 de junho de 2018

ÉTICA E MORAL


Introdução
Embora sejam usados em conjunto e muitas vezes como sinônimos, os conceitos de ética e moral são diferentes entre si, tanto no que diz respeito ao significado quanto a origem etimológica das palavras.
Ética vem do grego ethos, literalmente significa morada, refúgio. Em termos filosóficos está ligada a modo de ser, caráter, natureza e índole. A palavra moral tem origem no termo latino morales que significa relativo aos costumes, ligado a costumes.
Portanto, a partir da análise etimológica é possível já definir que o conceito de ética  é ligado ao indivíduo, enquanto a moral tem relação com a sociedade.
Mesmo com as diferenças, tanto o conceito de ética quanto o de moral tem finalidade semelhante: construir bases e guias para a conduta do indivíduo, comportamento no meio social em que vive, construção do caráter e virtudes.
Moral
O conceito de moral pode ser definido como um conjunto de regras sociais - dentro de um determinado contexto e de uma determinada sociedade - que definem e norteiam o comportamento e o julgamento dos indivíduos sobre o que é moralmente aceito ou não.
A moral está ligada ao padrão cultural vigente e estabelece regras, determinadas pela própria sociedade, necessárias ao convívio dos indivíduos. Portanto, a moral depende então do momento histórico e da sociedade em que as regras foram estabelecidas.
Ética
A ética, por sua vez, refere-se ao modo de ser de um indivíduo, a natureza, o caráter e a postura adotados diante de uma situação. A moral estabelecida pela sociedade influência na ética do indivíduo. No entanto, o indivíduo pode ser moral, já que está inserido em um contexto social, mas ao mesmo tempo não ter ética, pois as ações que definem a ética são individuais, são uma escolha de cada ser humano.
Em uma explicação mais ampla, a ética pode ser entendida também como o conjunto de conhecimentos sobre o comportamento humano, uma reflexão sobre a moral, sobre a ação das regras morais em cada indivíduo.
Tanto moral quanto ética não nascem com os homens, ambos os conceitos são aprendidos ao longo da vida e chegam aos indivíduos pela família, escola, relações de trabalho, de lazer. Toda estrutura temporal e sócio econômica, influencia portanto, a criação da ética e moral e a maneira como esses conceitos chegam aos indivíduos.


O uso da ética
A moral define prioridade no atendimento de idosos e gestantes, bem como assentos reservados nos transportes coletivos. A frase abaixo exemplifica a atitude de Maria em relação a uma mulher grávida.
  • Maria não cedeu o assento à mulher grávida.
Maria, embora esteja inserida na sociedade em que essa seja a moral estabelecida, não cedeu lugar. A atitude de Maria está ligada à ética, já que foi uma decisão tomada por ela, individualmente.
As regras morais estabelecem, nesse caso, que Maria não teve um comportamento ético. O indivíduo pode ter um comportamento moral, pois está inserido socialmente e por isso, tem conhecimento das regras necessárias para o bom convívio social, no entanto, pode ter ações não éticas.
Embora estejam ligados, não é obrigatório que o indivíduo apresente ao mesmo tempo um comportamento moral e ético.
O uso da moral
O exemplo abaixo exemplifica a moral sobre o uso de uma determinada peça de roupa num determinado período da história.
  • Não era moralmente aceito que mulheres usassem calças no passado, atualmente a peça é usada por homens e mulheres.
As regras sociais definiam apenas o uso de saias para mulheres. Trata-se de uma regra referente ao momento histórico e condições sociais. Atualmente, o uso de calças por mulheres é moralmente aceito, as regras sociais para vestimenta feminina não impedem mais o uso de calças, nem impõe a obrigatoriedade do uso de saias.
Os momentos históricos e contextos sociais, influenciaram, portanto, a criação de regras morais, que foram alteradas com o tempo e com as novas necessidades sociais.


Entendendo Ética e Moral 

Ética
“A ética é um conjunto de conhecimentos que são extraídos da investigação do comportamento humano, ao tentar explicar as regras morais de uma forma racional e científica”. 
Resumindo, ela é uma reflexão da moralidade. A ética nos ajuda a responder perguntas do tipo eu quero? Eu posso? Eu devo?
Se você chegou à conclusão que fazer uma fofoca não é legal, você leva isso para o seu dia a dia e procura agir de forma ética. É comum as pessoas pensarem “não vou me meter, pois é antiético”. 

Moral

Já a moral é um conjunto de regras que são aplicadas ao cotidiano. “É basicamente quando eu transformo a ética numa estrutura escrita e essas normas passam a ser aplicadas e usadas por todo cidadão. Elas orientam o indivíduo, norteando suas ações, seus julgamentos sobre o que é certo e errado”. 
Se muitas pessoas acreditam que fofocar não é legal, com o passar do tempo esse ato entra num consenso geral e estabelece-se que falar dos outros, principalmente no ambiente de trabalho, é imoral. 
Entenderam qual a diferença entre ética e moral? Sendo assim, podemos perceber que a ética tem mais a ver com a questão individual, enquanto a moral trabalha com o processo coletivo. 

 EXERCÍCIOS

 1 – Analise a etimologia das palavras "ética" e "moral".
 2 - Defina o conceito de moral.
 3 - O que são valores morais?
 4 - Defina o conceito de ética.
 5 - O que é ser ético?
 6 - Por que é tão difícil ser ético?
 7 – Quais os valores cultivados em nossa sociedade?
 8 – Quais são os seus valores morais?
 9 – Por que a ética é essencial para que haja equilíbrio em uma sociedade?
 10  – Qual a diferença entre ética e moral?


A FELICIDADE E AS ESCOLHAS: As diferentes posições sobre a felicidade e como ser feliz em meio às escolhas?




           Em nosso cotidiano, ouvimos falar constantemente sobre o tema da felicidade. Muitas pessoas afirmam que desejam ser felizes, que querem alcançar a felicidade, ou que estão infelizes. Isso nos leva a refletir sobre as seguintes questões: a felicidade é um conceito objetivo ou subjetivo? Existe "a" felicidade ou cada um tem seu conceito sobre o que é ser feliz? Frente a estas dúvidas, a tendência é tentar negar a existência da felicidade. Perigosa tentação, pois às vezes é mais fácil negar a felicidade do que aceitar que ela existe e reconhecer que não a possuímos... Estamos frente a uma situação limite... pouco discutida e que quase não é refletida em nosso cotidiano corrido... Você já parou para pensar sobre o que é a felicidade?       Você já se perguntou um dia por que todo mundo a deseja ou acredita na sua existência?

          Desde a Grécia Antiga os filósofos já se ocupavam sobre a questão da felicidade. Em especial, um grande filósofo chamado Aristóteles já postulava importantes considerações sobre esse tema. Segundo ele, todas as coisas que existem tendem para um fim. O homem, por sua vez, também existe para uma finalidade: “ser feliz”. Nesse sentido, Aristóteles constata que existe um grande consenso entre os homens: “todos querem ser felizes”; mas também há um grande descenso entre eles: “O que é a Felicidade?”. Como o próprio autor afirma em sua obra Ética a Nicômaco: “Todos estão de acordo e dizem ser o fim do homem a felicidade e identificam o bem viver e o bem agir com o ser feliz. Diferem, porém, quanto ao que seja a felicidade, o homem limitado não a concebe da mesma forma que o sábio”. Sendo assim, nem todos os homens compreendem a felicidade de maneira semelhante.
          Para resolver esse dilema, Aristóteles afirma que o homem verdadeiramente feliz é aquele que age segundo sua própria natureza, isto é, que age racionalmente e visa ser virtuoso, visto que para esse filósofo grego, a essência do homem é sua razão, pois todos tendem ao saber. Mas qual é de fato a nossa natureza? Muitos dizem que somos seres essencialmente bons, outros dizem que somos naturalmente maus e egoístas.            Mas podemos acreditar também que somos seres inacabados... incompletos... que ao invés de nascerem com uma essência pré-estabelecida, buscam construir esta suposta essência na própria existência, na vida real, no cotidiano. Assim sendo, podemos ser tanto anjos como demônios. Nossa natureza depende de nossas escolhas, e devido a isso, nossa felicidade também dependerá delas.
           É o que afirma o filósofo francês Jean-Paul Sarte em sua obra “O Existencialismo é um Humanismo” : “Se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço é o de pôr todo homem no domínio que ele é, de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens”. Dessa maneira, eliminando uma natureza pré-definida que nos dirá o que é ser feliz, podemos analisar uma outra perspectiva sobre o tema, afirmando que a felicidade se encontra na forma como fazemos nossas escolhas, ou seja, encarando a vida da maneira como ela realmente se apresenta, vivendo-a intensamente com responsabilidade.
          Ora, encarar a vida tal como ela se apresenta não é tarefa fácil. Somos seres jogados na existência e estamos condenados a fazer escolhas. Cada possibilidade de existência assumida significa a renúncia de outro modo de vida. Dessa maneira, podemos acertar ou errar, ganhar ou perder. Tudo depende de nossas escolhas. A angústia é a disposição emocional que nos acompanha neste drama da existência. Como então ser feliz em uma realidade tão dura como essa?
         A felicidade não é uma disposição emocional. Ser feliz não é estar sempre alegre. O sofrimento e a angústia também fazem parte da vida e da própria felicidade. Se tudo na vida fosse só alegria, as pessoas não dariam real valor a felicidade... Às vezes, é preciso chorar para sabermos o quanto é bom sorrir... é preciso sentir saudades para saber o quanto gostamos de alguém... Às vezes, quando temos tudo, nada parece ter valor. A vida é constante movimento, ela é um antes, um durante e um depois. Por isso, devemos viver o momento, sem deixar de olhar para nosso passado e nos projetar para o futuro. Os momentos difíceis são parte integrante da vida e deles não podemos escapar. No entanto, estes momentos são necessários para que possamos valorizar os acontecimentos felizes e encontrarmos a felicidade. É partindo desse ponto de vista, que o filósofo Karl Jaspers ressalta: "Os problemas e conflitos podem ser a fonte de uma derrota, uma limitação para a nossa potencialidade, mas também podem dar lugar a uma maior compreensão da vida e o nascimento de uma unidade que se fortalece com o tempo."
          Frente a estes pontos de vista, esse artigo chega a conclusão de que a felicidade não deve ser entendida como um objetivo ditado por uma essência pré-definida existente no homem, ou como um sentimento. A felicidade pode ser entendida como a própria vida sendo vivida de maneira intensa e responsável nas próprias escolhas do dia-a-dia, seja nas alegrias ou nos sofrimentos, buscando sempre tirar um aprendizado para aquilo que ocorre conosco. Como afirma Erich Fromm: “buscar a felicidade é como caçar borboletas: quanto mais você tenta, mais ela foge. No entanto, se você deixar a borboleta voar e se preocupar com outras coisas, ela pode até pousar em seus ombros”. 

                                                                                                                                        Arnin Braga

Platão, conhecimento e bondade

No grego antigo, várias palavras traduziam distintos aspectos da felicidade. A principal delas era eudaimonia, derivada dos termos eu ("bem-disposto") e daimon ("poder divino"). Trata-se da felicidade entendida como um bem ou poder concedido pelos deuses. Subentendia-se que , para mantê-la, a pessoa  deveria conduzir sua vida de tal maneira a não se indispor com as divindades, para o que era preciso sabedoria. Mesmo assim, ainda corria o risco de perder esse bem ou poder se os deuses assim o desejassem, por qualquer motivo arbitrário.
Isso significa que a felicidade era tida como uma espécie de fortuna ou acaso - enfim, um bem instável que dependia tanto da conduta pessoal, como da boa vontade divina [cf. LAURIOLA, De eudaimonia à felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, nº 59].


PLATÃO [427-347 a.C.] - considerado por boa parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo ocidental, juntamente com seu mestre, Sócrates - foi um dos principais pensadores gregos a se lançar contra essa instabilidade , em busca de uma felicidade estável, postura que caracterizará de forma marcante a ética eudemonista* grega.

*eudemonista - relativo à felicidade ou que tem a felicidade como valor fundamental ou principal objetivo.

No entendimento de Platão , o mundo material - aquele que percebemos pelos cinco sentidos - é enganoso. Nele tudo é instável e por meio dele não pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o caminho da felicidade é o do abandono das ilusões dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até alcançar o conhecimento supremo da realidade, correspondente à ideia do bem.



O que isso significa e como devemos agir para alcançar essa condição?

1 - Harmonizar as três almas

Para entender a concepção platônica de felicidade, precisamos compreender primeiramente sua doutrina sobre a alma humana, contida na obra A República. Para Platão, o ser humano é essencialmente alma, que é imortal e existe previamente ao corpo. A união da alma com o corpo é acidental, pois o lugar próprio da alma não é o mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A alma se dividiria em três partes:

alma concupiscente - situada no ventre e ligada aos desejos carnais;

alma irascível - situada no peito e vinculada às paixões;

alma racional - situada na cabeça e relacionada ao conhecimento.

A vida feliz de uma pessoa dependeria da devida subordinação e harmonia entre essa três almas. A alma racional regularia a irascível, e esta controlaria a concupiscente, sempre coma a supervisão da parte racional. Há, portanto, uma primazia da parte racional sobre as demais.



Para apoiar essa tarefa, Platão propunha duas práticas:

ginástica - conjunto de exercícios e cuidados físicos por meio dos quais a pessoa aprendia a disciplina e o domínio sobre as inclinações negativas do corpo; e

dialética - método de dialogar praticado por Sócrates pelo qual cada pessoa poderia escender progressivamente do mundo sensível [que Platão considerava ilusório] ao mundo inteligível [que ele considerava verdadeiro].

2 - Conhecer o bem

Por meio dessas práticas - especialmente da dialética - a alma humana penetraria o mundo inteligível, também conhecido como mundo das ideias, e se elevaria sucessivamente, mediante contemplação, das ideias perfeitas, até atingir a ideia suprema, que é a ideia do bem. Para Platão, as ideias perfeitas seriam a realidade verdadeira, e compreendê-las significava, portanto, alcançar o grau máximo de conhecimento.

Por que a supremacia da ideia do bem? Porque o bem, segundo o filósofo, seria a causa de todas as coisas justas e belas que existem, incluindo as outras ideias perfeitas, como justiça, beleza, coragem. Sem o bem não há nenhuma delas, inclusive a ideia perfeita de felicidade [teoria do mundo das ideias].

Em resumo, podemos dizer que, para Platão, a felicidade é o resultado final de uma vida dedicada a dieia do bem, o que poderia ser sintetizado na seguinte fórmula:

conhecimento = bondade = felicidade

As três coisas, quando ocorrem em sua máxima expressão, andariam sempre juntas, mas o caminho partiria do conhecimento.

Além disso, para Platão, a ascensão dialética equivaleria não apenas a uma elevação cognoscitiva [isto é do conhecimento], mas também a uma evolução do ser da pessoa [evolução ontológica]. Simplificando bastante, podemos dizer que aquele que alcança o conhecimento verdadeiro [que culmina com a ideia do bem] torna-se um ser "melhor" em sua essência e, por isso, pode viver mais feliz.



3 - Construir o bem de todos

Platão, no entanto, tinha como motivação fundamental de seu filosofar o âmbito político: para ele, a política era a mais nobre das atividades e de todas as ciências, pois tinha como objeto a pólis [cidade-estado grega] e, portanto, a vida do conjunto dos cidadãos. Por isso, seu projeto político-filosófico visou à construção de uma sociedade justa, isto é, aquela que promovesse o bem de todos [ o bem comum]:

[...] ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista tornar uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto possível, toda cidade. De fato, pensávamos que só numa cidade assim encontraríamos a justiça e na cidade pior constituída, a injustiça [...]. Agora julgamos modelar a cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número dos seus habitantes para torná-los felizes, mas considerando-a como um todo [...]. (A República, p. 115-116)

Com esse propósito, em sua obra denominada A República, o filósofo idealizou uma sociedade organizada em torno de três atividades básicas: produção dos bens materiais e de alimentos , defesa da cidade e administração da pólis. Dentro dessa organização, a cada cidadão caberia uma função social (produtor, guerreiro, sábio), e esta seria definida de acordo com sua própria natureza, isto é, a aptidão inata a cada pessoa.
A identificação dessa aptidão natural ou vocação se faia durante o processo educativo. A educação seria igual para todos os jovens. Aqueles que se revelassem os mais sábios seriam destinados à administração pública. E, como os filósofos eram os mais sábios entre os mais sábios [os conhecedores do caminho da felicidade], seriam eles os governantes da cidade.

Dentro dessa organização, conforme concebeu Platão, cada um já seria feliz pelo simples fato de cumprir a função para a qual é mais apto por natureza.



sábado, 19 de maio de 2018

Calvin


Platão, vida e obra.


 Quem foi Platão.



Platão foi escritor e filósofo, nasceu de linhagem ilustre, e teve uma boa educação, era de respeitada família aristocrática. Viveu por volta de 427 a 374 a. C. E morreu por volta de seus 80, 81 anos. Teve motivação particularmente por Heráclito e Éfeso.
Durante toda sua juventude, esteve bastante empenhado ao pensamento pré-socrático, que por sinal foi em seu encontro com Sócrates, originado de família modesta de artesãos, o ponto máximo do seu aprendizado.
Com o apoio de amigos (financeiramente também) Platão fundou sua própria escola no Horto de Academos, onde começou a se situar os intelectos mais brilhantes e talentosos da Grécia, como podemos citar: Aristóteles e Estagira.
Platão deveria dar um exemplo como cidadão, e apesar disso sua oposição era bastante crítica a democracia ateniense, ele nunca se indispôs juntamente aos membros do estado ateniense.
Platão era um pensador e que à medida que amadurecia sua reflexão política certamente mais se revelava como um conservador, que se declarava não satisfeito com as transformações políticas que aconteciam, definitivamente, a democracia moderna não o agradava.
Sua obra é inspirada por uma compreensão socrática, pois ele foi conduzido ao dialogo, de uma forma que a exposição das idéias não eram solitárias, em que ele se utiliza desse meio socrático.
Por meio de utilização de métodos, Platão desenvolveu e aprimorou seu próprio método de maneira tão profunda que criou um processo de dialética, que podemos definir como a arte de buscar o conhecimento pelo diálogo. Então começou a aplicar esse novo método para a compreensão do pensamento.
Não é à toa que os diálogos cuja autoria é de Platão são aceitas de forma unanimemente por sábios, estudiosos, escolásticos, filólogos e helenistas.
De forma geral, Platão foi quem desenvolveu uma noção de que o homem permanece em contato sempre com dois tipos de realidade, a inteligível, imutável e uma realidade que afeta os sentidos sensíveis dos indivíduos.
 A República perfeita de Platão.


O dialogo da segunda fase do filosofo Platão A República almeja instituir utopicamente um Estado perfeito.

Seu intuito inicial resigna-se em descobrir onde a justiça surge e habita, para isto ele recorre a um longo discurso onde todas as questões são minuciosamente debatidas e definidas.

Em um primeiro momento Sócrates[18] conversa com o ancião Céfalo a respeito da velhice, chegando a conclusões de como o caráter, a riqueza e a bondade facilitam tanto a juventude quanto a velhice do indivíduo. Porem ao abordarem o requisito justiça inicia-se o debate.

Muitas foram as tentativas de definir o que é justiça, Polimarco argumenta que justo é restituir a cada um o que lhe é devido, fazendo bem aos amigos e mau aos inimigos e no tempo de paz utilizar a justiça para nortear os contratos, Trasímaco contudo expõe que justiça é a conveniência do mais forte e Glauco por sua vez afirma que parecer justo e não sê-lo traz mais felicidade porque a justiça reside no meio termo entre o “maior bem, não pagar pelas injustiças e o maior mal, ser incapaz de se vingar de uma injustiça”[19].

Após extenuantes tentativas de entrar em um consenso sobre o assunto em pauta e qual a sua função, Sócrates confessa que não sabe o que é a justiça, portanto não teria argumentos para os convencer de que a justiça é melhor ou pior do que a injustiça e neste ponto começa a descrever a cidade com Adiamanto, sempre em função crescente utilizando a parábola da Placa, valendo-se do argumento de que é mais fácil identificar a justiça no Estado, pois este é grande do que no indivíduo e concluída esta etapa teria apenas o trabalho de comparar e verificar a veracidade dos fatos.

A cidade origina-se na necessidade de indivíduos iguais, porem com diferentes naturezas trabalhistas permitindo assim a especialização do artífice. O homem necessita de mais recursos que o necessário para se sentir feliz isto implica em um crescimento, admissível ate o limite em que a polis se manter unida, após estas especificações iniciais podemos visualizar três categorias de indivíduos, os governantes, os guardiões e os artífices.

Sócrates descreve minuciosamente como a cidade deve ser constituída, descrevendo como os indivíduos devem ser educados segundo a sua função, qual o papel da mulher dentro da sociedade caracterizada por ser igual ao homem ate o exeqüível, o sistema de procriação, os critérios religiosos e através do desempenho acompanhado assiduamente durante a educação para identificar quais dentre a sociedade são dignos de serem governantes advertindo que estes deveriam ser filósofos e maduros.

Constituída a cidade perfeitamente boa esta deverá possuir as quatro virtudes cardeais[20] para se manter unida, Sócrates define então a sabedoria como a virtude presente entre os governantes, a coragem como aspecto necessário aos guerreiros e a sensatez como feitio dos artífices e concluindo a partir do pressuposto que o que restou foi a justiça esta caracteriza-se por harmonizar os elementos da alma com a sabedoria e a injustiça como a desordem.

Concluída a fase inicial, Sócrates comparou o grau de felicidade do justo e do seu modelo governamental correspondente, a aristocracia, e o injusto classificado como tirânico e o seu modelo de estado correlativo. Após analisar levando em consideração os critérios de raciocínio, experiência e conhecimento, chega-se ao consenso de que o justo é mais feliz, pois utiliza estes três critérios com perfeição para discernir o bem e a verdade.

Esta síntese sobre a república de Platão nos remete a uma importante indagação sobre a legitimidade do método utilizado por Platão valendo-se do pressuposto que o indivíduo reage da mesma forma que um estado.

No entanto é impossível negar que os esforços deste filósofo em responder e argumentar todas as indagações dos membros presentes na discussão de forma clara e concisa proporcionou teses no mínimo viáveis e engenhosas. Na próxima parte do trabalho vamos expor os conceitos de alguns renomados autores para esclarecer alguns pontos obscuros sobre o assunto em questão.

Diálogos platônicos.



Maior parte da filosofia platônica fora escrita em forma dramática, o que torna seu estudo menos exaustivo do que o de outros grandes filósofos como Immanuel Kant, Thomas Hobbes e John Locke. Seus textos se desenvolvem de forma lógica, baseando-se na dialética, retórica e argumentação para que finalmente cheguemos às suas conclusões filosóficas.

Em seus diálogos Platão se preocupou em extrair de um conceito inicial seu máximo até obter-se, ou ao menos aproximar-se, a um conceito uno do qual não possam surgir dubiedades. Em sua filosofia são tratados temas tais como a justiça, a natureza, os limites da retórica, o que se entende por conhecimento, caráter e valor do amor sensual. A lista é grande, compõe-se de cerca de trinta textos considerados autênticos.

Podemos dividir seus diálogos em três grupos: diálogos iniciais; diálogos medianos, também chamados de intermediários; e por fim os chamados diálogos tardios, ou últimos diálogos. Os estudiosos da área acreditam que nos diálogos iniciais Platão busca apresentar a filosofia de Sócrates, por isso mesmo este aparece como um personagem. Pode-se citar de exemplo Eutífron, Íon e Críton. Já nos diálogos medianos Platão deixa a doutrina socrática, mesmo sendo Sócrates figura dominante, para então apresentar seus conceitos, incluindo a Teoria das Idéias, são exemplos desse período os textos Banquete e A República. E por fim os diálogos tardios onde Sócrates raramente aparece como figurante e nestes são apresentadas a filosofia de Platão, são expoentes desse período os diálogos Sofista, Timeu e As Leis.



sexta-feira, 18 de maio de 2018

Em busca da verdade perdida



                Em certas ocasiões, quando todas as opressões do mundo contemporâneo parecem destituir de sentido toda a nossa existência, ficamos a nos perguntar se a razão da existência do homem, o seu destino, é ser um eterno prisioneiro de suas crenças, de suas convicções. Até que ponto essas convicções determinam e delimitam a experiência humana e criam axiomas irrefutáveis? Em que proporção essas crenças delimitam as nossas ações e decisões? Como o homem pode exercer, sem culpas, o seu livre-arbítrio (se é que o homem realmente detém este livre-arbítrio)? São estas e algumas outras questões pertinentes à vida para as quais o homem não encontra solução e são umas das principais fontes de angústia e sofrimento humano. Não temos a pretensão de resolver esses dilemas (quem nos dera!), mas recorreremos a alguns homens do passado que fizeram esta tentativa.
                Inicialmente, recorreremos a Ortega y Gasset. Para ele, a vida humana constitui uma realidade radical, da qual todas as demais realidades, efetivas ou pressupostas, aparecem nela. Nossa vida, nós a vivemos porque fazemos coisas; somos obrigados a cumprir tarefas que são a razão de ser de nossa existência. Porém, estas tarefas nos são condicionadas por uma série de convicções sobre coisas e pessoas ao nosso redor. Podemos, então, escolher entre uma ação e outra e, assim, viver.
                A nossa existência, portanto, é regida pelas nossas crenças; as nossas convicções são as bases de nossa experiência de vida. A esse conjunto de crenças, Ortega chama de “repertório”, por se constituírem em um emaranhado que não possui uma articulação lógica. São, às vezes, incongruentes, contraditórias ou desconexas. Diferem-se das idéias, que, ao serem pensadas, podem ser descartadas ou não. A crença é a idéia em que se acredita (e não pode ser descartada). Acreditar não é mais um mecanismo intelectual, mas uma função para orientar nossa conduta, nossas tarefas. (ORTEGA Y GASSET, s/d, pp. 27-28).
                Então, o homem que se sente, como a mosca de Nietzsche, o centro do Universo, não passa de um burro de antolhos?

                Segundo Sigmund Freud, o sofrimento do homem provém de três direções: primeiro, do próprio corpo, pela decadência e pela ansiedade; em seguida, do mundo externo, através de uma força de destruição esmagadora; e, finalmente, pelo seu relacionamento com os outros homens. A pressão externa fez com que o homem moderasse as suas reivindicações de prazer. Para que o homem pudesse viver em sociedade teve que abandonar seu extinto de agressividade e abrandar sua compulsão sexual. A possibilidade de vida comunitária entre os seres humanos teve, como pressuposto, um conceito duplo: primeiramente a compulsão para o trabalho, criada pela necessidade externa; em seguida vem o amor, que fez o homem relutar em privar-se de seu objeto sexual, a mulher; esta, por sua vez, precisou privar-se daquela parte de si própria que lhe fora separada, o filho. O amor, então, impõe restrições à civilização, querendo conservar seus membros juntos a si; ao mesmo tempo, a civilização impõe regras e proibições restritivas ao amor (uma dessas restrições seria a excitação visual em detrimento à excitação olfativa do desejo sexual). O argumento de Freud, portanto, seria de que, para sermos felizes, teríamos que abandonar a civilização. (FREUD, l978, p. 170).
                Então, tentemos entender: o homem é regido por um conjunto de regras, às vezes desconexas, mas altamente hierarquizadas e estas mesmas regras, fundamentais para a sobrevivência do homem na sociedade, é que tornam fonte de sofrimento para este mesmo homem.
                Estamos sempre a nos perguntar onde está a origem da felicidade. Como conhecer a essência da verdade, que nos proporcionaria o pleno prazer. Segundo Alexandre Koyré, essas perguntas foram feitas aos antigos sábios. Sócrates, por exemplo, fugia às respostas. O seu papel não era emitir opiniões ou formular teorias, mas examinar os outros homens. Platão conhecia a doutrina de Sócrates, porém, o modo de exposição desta doutrina não a tornou acessível a todos, não é difícil imaginarmos que Platão não desejasse esta acessibilidade. (KOYRÉ, 1963, p.15).

                Para Platão, a ciência verdadeira é aquela que emana da alma, do seu próprio trabalho interior, onde estão as respostas. Para obtermos as respostas é preciso conhecer o que estamos procurando, pois como saberíamos que encontramos o que procuramos, se não soubéssemos o que realmente buscamos? (idem, p. 19). Na verdade, procuramos saber o que já sabemos, ou melhor, “procuramos recordar um saber esquecido (...). O saber e inato à alma” (idem, p. 20).
                A ciência é a única coisa que pode ser ensinada. A virtude só pode ser ensinada se for ciência, caso contrário, é impossível. Deve ser por isso que os homens de Estado puderam governar as cidades com sucesso; porque possuíam a opinião verdadeira (virtude), no entanto foram incapazes de transmiti-la aos seus sucessores, talvez por não se tratar de ciência. (idem, p.24).
                Devemos nos perguntar, então, o que entendemos como virtude. Para esta questão devemos usar o raciocínio correto e não o discurso persuasivo, a simples retórica. Devemos encarar a virtude como verdade, ou seja, alguma coisa a mais que o simples sucesso pessoal, conforme pensava Ménon (idem, p.25).
                Procurar a verdade, tentar acordar n’alma a “recordação” do saber é uma tarefa extremamente difícil; implica esforço. Tem que se buscar a essência e não significações banais que possam redundar em simplificações de conceitos importantes como, por exemplo, a virtude. A virtude, como ciência que é, só pode ser ensinada para quem compreender a sua essência.
                Compreender a essência da verdade, eis a questão pertinente a Platão. Em “A República”, os homens que estavam no interior da caverna só conseguiam ver as sombras, os contornos das coisas. Não havia, para eles, o dês-velamento. Este, causava-lhes dor e estranhamento. O deslumbramento os impedia de fixar os objetos cujas sombras viam outrora. (v. 515d).
                Segundo esta concepção, todos os homens podem ter o domínio do saber. Nada escapa à humanidade, todas as imagens, todos os signos, todo o conhecimento, enfim, toda a verdade não passaria de recordação, do mesmo modo, segundo Salomão, “toda a novidade não passa de esquecimento”. (MANGUEL, s/d, p.27).
                Nietzsche, no entanto, apesar de seguir uma linha de pensamento semelhante, não parece que concorde com essa “essência” que transcende as coisas. Segundo o filósofo alemão, e nos parece válida esta opinião, a verdade não passa de arbitrariedade. Recordemos suas palavras:

“O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismo, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem, a um povo, sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.” (NIETZSCHE, s/d, p.56).

                Temos, portanto, algumas proposições a respeito da “realidade do real” e da possibilidade do homem, através da busca da verdade, atingir a felicidade. A busca da perfeição e do pleno gozo, eis o ideal de vida da humanidade. Vimos, através deste pequeno ensaio, variados pontos de vista sobre o assunto; por mais que busquemos resposta para nossas indagações, no entanto, percebemos que estamos longe da compreensão e do entendimento que levaria tranqüilidade ao nosso espírito. Mas não desistamos da luta! Talvez pegando um pouco de cada ensinamento, pesando aqui e ali, e tentarmos extrair deles a sua substância, quem sabe reformulando todo o nosso conjunto de crenças e reformularmos o nosso ideal de vida, e possamos avançar um pouco nesse caminho. É extremamente difícil, não nos iludamos. O homem, cada vez mais, torna-se obcecado por transformações políticas e sociais ou por ascensão social, confunde felicidade com melhoria material; busca respostas através de doutrinações ideológicas, tanto de esquerda, quanto de direita; substitui a Fé pela Razão e vice-versa. Estamos longe de obtermos respostas, continuaremos por muito tempo perdidos e confusos nos nossos dilemas. Mas o que fazer? Fazem parte da própria natureza humana essas angústias. É isso que torna o homem um ser diferente de todas as demais espécies vivas do planeta.

Postado por prof. Rusinelson Ribas.