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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Kant: o criticismo

No século XVIII, a ciência newtoniana já estava plenamente constituída e as questões relativas ao conhecimento ainda giravam em torno da controvérsia entre racionalistas e empiristas. Atento à natureza do nosso conhecimento, Immanuel Kant debruçou-se sobre o assunto em sua obra Crítica da Razão Pura, mudando o rumo dessa discussão.

Sua filosofia é chamada criticismo porque, diante da pergunta "Qual é o verdadeiro valor dos nosso conhecimentos e o que é conhecimento?", Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento é infundado. Segundo o próprio Kant, a leitura da obra de Hume o despertou do "sono dogmático" em que estavam mergulhados os filósofos que não questionavam se as ideias da razão correspondiam à realidade.

Na tentativa de superar a dicotomia racionalismo-empirismo, Kant criticou os empiristas (tudo que conhecemos vem dos sentidos) e não concordou com os racionalistas (tudo quanto pensamos vem de nós). Do mesmo modo, rejeito o ceticismo de Hume.

SENSIBILIDADE E ENTENDIMENTO


Para superar a contradição entre racionalistas e empiristas, Kant explica que o conhecimento é constituído de algo que recebemos de fora, da experiência (a posteriori), e de algo que já existe em nós mesmos (a priori) e, portanto, anterior a qualquer experiência.


  • o que vem de fora é matéria do conhecimento: nisso concorda com os empiristas;



  •  o que vem de nós é a forma do conhecimento: como os racionalistas, admite que a razão não é uma "folha em branco".


Qual a diferença entre Kant e os filósofos que o antecedem? É o fato de que matéria e forma atuam ao mesmo tempo. Para conhecer as coisas, precisamos da experiência sensível (matéria). Mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da sensibilidade e do entendimento, que, por sua vez, são a priori e condição da própria experiência.

A sensibilidade é a faculdade receptiva, pela qual obtemos as representações exteriores, enquanto o entendimento é a faculdade de pensar ou produzir conceitos. Em cada uma dessas faculdades, Kant identifica formas a priori.


  • As formas a priori da sensibilidade ou intuições puras são o espaço e o tempo. Ou seja, o espaço e o tempo não existem como realidade externa, mas são formas a priori que já existem no sujeito e servem para organizar as coisas. Explicando de outra maneira, fora de nós estão as coisas, mas quando as percebemos "em cima", "embaixo", "do lado" ou "antes", "depois", "durante" é ´porque temos a intuição apriorística do espaço e do tempo. Caso contrário, não poderíamos percebê-las.

  • As formas a priori do entendimento são as categorias. Como o entendimento é a faculdade de julgar, de unificar as múltiplas impressões do sentidos, as categorias funcionam como conceitos puros, sem conteúdo, porque, antes de tudo, constituem a condição do conhecimento.
Kant identificou doze categorias, entre as quais destacaremos três: a substância, a causalidade e a existência. Quando observamos a natureza e afirmamos que "Uma coisa é isto", "Tal coisa é causa de outra" ou "Isto existe", temos, de um lado, coisas que percebemos pelos sentidos, mas, de outro, algo lhes escapa, como as categorias de substância, de causalidade e de existência, mas são colocadas pelo próprio sujeito  cognoscente. Portanto, segundo Kant:

[...] nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo o conhecimento começa com ela. Mas, embora, todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto de nossa própria faculdade de conhecimento [...] fornece de si mesma.[...] Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência.
Kant, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 23. (Coleção Pensadores)

AS IDEIAS DA RAZÃO E A METAFÍSICA


Kant pretendia garantir a possibilidade do conhecimento científico como universal e necessário. No entanto, até aqui o filósofo se restringira ao conhecimento dos fenômenos, percebidos inicialmente pelos sentidos e pelo entendimento. Poderíamos, porém, conhecer a "coisa em si" (o noumenon)?

O que seria a coisa em si? São as ideias da razão para as quais a experiência não nos fornece o conteúdo necessário, por exemplo, as ideias de alma, liberdade, mundo e Deus. Nesse sentido, o noumenon pode ser pensado, mas não pode ser conhecido efetivamente, porque, como vimos, o conhecimento humano limita-se ao campo da experiência. Como o ser humano deseja ir além da experiência, Kant examinou racionalmente cada uma das ideias metafísicas, chegando sempre a um impasse, que denominou de antinomia.

ANTINOMIAS


Ao examinar as ideias metafísicas, Kant deparou como as antinomias da razão pura, isto é, com argumentos contraditórios que se opõem em tese e antítese.

- Veja alguns exemplos:


  • Há argumentos tanto a favor como contra a liberdade humana.
  • Pode-se argumentar que o mundo tem um início e é limitado ou que é eterno e ilimitado.
  • Tanto se argumenta que o mundo existe fundamentado em uma causa necessária, que é Deus, como não se pode provar sua existência.
Ao concluir não ser possível conhecer as coisas tais como são em si, Kant constata a impossibilidade do conhecimento metafísico. Por isso, devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas realidades. A crítica à metafísica levou, portanto, ao agnosticismo, teoria pela qual a razão é incapaz de afirmar ou negar a existência do mundo, da alma e de Deus.

# Etimologia
  1. Fenômeno. Do grego phainómenon, "aparência", "o que aparece para nós". 
  2. Noumenon. Do grego, "o que é pensado"; particípio passivo de noeîn, "pensar". Kant usa o termo para designar "a coisa em si", em oposição a "fenômeno".
  3. Antinomia. Do grego antinomía, "contradição entre proposições filosóficas.
  4. Agnosticismo. Do grego a, prefixo de "negação", e gnôsis, "conhecimento". Com frequência o termo ficou reduzido à ideia de Deus e, nesse caso, distingue-se do ateísmo, que nega a existência divina.


MORAL 


Em outra obra, Crítica da razão prática, Kant analisou o mundo ético, recolocando as questões da liberdade humana, da imortalidade da alma e da existência de Deus.

Após concluir ser impossível conhecer as realidades metafísicas, Kant se volta para a razão prática, cujo conhecimento é possível porque os seres humanos podem agir mediante ato de vontade e autodeterminação. Assim Kant justificou-se: "Tive de suprimir o saber para encontrar lugar para a fé".

O conceito de fé tem diversos sentidos e geralmente lhe é atribuído o de crença religiosa. No entanto, para Kant trata-se da fé filosófica, que se baseia na convicção subjetiva e que, embora não forneça garantia teórica, dá lhe suporte à vida moral. 


HERANÇA KANTIANA


O próprio Kant descreveu sua filosofia crítica com uma "revolução copernicana". Essa expressão remete a Copérnico, que contrariou a teoria geocêntrica ao apresentar a hipótese da Terra girando em torno do Sol. Do mesmo modo, Kant contestou a metafísica anterior segundo a qual os objetos regulavam o conhecimento; para ele, ao contrário, os objetos é que devem ser regulados por nosso conhecimento.

Apesar de ter realizado a crítica do racionalismo e do empirismo, o procedimento kantiano redundou em idealismo. Ainda que reconhecesse a experiência como fornecedora da matéria do conhecimento, não há como negar que é o nosso espírito, graças às estruturas a priori, que constrói a ordem do Universo.